E nestes 9 Km esteve presente. Ao meu lado. E (talvez também por sentir que ele estava comigo) cheguei.

Nunca como hoje fiquei tão feliz em chegar a casa. Sabem aqueles dias em que o trabalho até corre bem? Em que se tem jantar marcado para o serão de sexta feira à noite e o trabalho termina antes das 18h? Afinal, já toda a gente saiu e, sem pressa, porque gosto (mesmo) do ritmo das sextas feiras, concluí a experiência, desliguei os equipamentos e arrumei a secretária. Desejei bom fim de semana às paredes (vermelhas – no corredor do meu piso), como aliás é hábito serem as últimas de que(m) me despeço. A minha sexta feira decorria assim, nessa normalidade que se quer diferente, por ser sexta feira.

A Côte d´Azur dos cartões postais é assim o paraíso do sul da Europa onde todos os franceses, os ingleses ( e agora também russos) endinheirados têm casa de férias. 9 meses de sol, com temperaturas que variam pouco dos 20-25ºC. Não é publicidade enganosa, ainda ontem andei de alças e almocei na sombra de um pinheiro manso, na esplanada da cantina. Mas quando chove… CHOVE! E hoje o dia nasceu sob a luz do sol e dos relâmpagos. E assim se manteve todas as horas do dia. Uma bátega de água como eu poucas vezes testemunhei. Saí do IPMC às 18h. Estive uns 10 min na porta, à espera que a chuva abrandasse, mas nem sinais… Corri para o carro e dei início aos terríveis 9 Km que dista o Instituto de minha casa. O IPMC fica em Sophia Antipolis. Um complexo tecnológico onde trabalham 30 000 pessoas. Fica no meio do nada, acreditem. Quer dizer… fica no meio dos pinheiros. Se não fosse um parque empresarial (com campos de Golfe e umas quantas piscinas, esclareça-se), poderia ser um parque natural.

Em fila, sem conseguir ver puto e com o eco dos relâmpagos em som ambiente lá fiz os primeiros 500 m. Ate ao feuxrouge (semáforo). Depois manteve-se tudo igual e acrescente-se um lençol de água animado pelo declive e que se cruzava na estrada vindo de todas as direcções. Nessa altura já os carros se perfilavam em ziguezague, sem saber bem onde eram os limites da estrada. O meu carro acendia a luz da bateria de vez em quando, pensei ligar ao meu pai para saber se era grave. Telefone para que te quero. Para tudo. Sim, quem tem um iphone, tem tudo. Mas convém que tenha bateria. E azar dos azares. Fiquei sem bateria. Disse umas quantas asneiras, enquanto tentava medir a altura da água no carro da frente e de mãos agarradas ao volante, sem carregar no acelerador nem uma única vez (era a descer) lá ía eu deslizando e pensando que em vez de volante tinha um leme, pois o meu (e demais carros), mais pareciam barcos. Estava quase a chegar ao fim do tormento, pensei. A próxima etapa era a subir. Estaria livre da água. Enganei-me! Sabem quando cerramos os dentes, as mãos estão suadas, as pernas a tremer e tudo o que queremos é chegar? Foi assim que passei os intermináveis 3 Km até Vallauris. A água vinha contra o carro como se tivesse, por engano, entrado num rio furioso. Só me recordava daquelas imagens da Madeira. Aquelas em que os carros tentavam subir e a água vinha com uma força que levava tudo à frente.  Mas o pior ainda estava por vir!

Cheguei a Vallauris. Uma vila que fica no meio do monte. A estrada passa no meio da vila e tem um semáforo. Apenas um. De um lado a policia. Do outro lado o MacDonalds. Naquela zona o terreno é plano. E o semáforo estava vermelho. E eu fiquei na fila. Uns 10 carros à minha frente. Parados. Todos. O nível da água começou a subir. E vinha água de todos os lados, até do chão (pelas sarjetas). E eu dentro do carro. A olhar para os outros carros (com água a roçar a porta) e a imaginar o meu. Só me lembrava do meu pai. Só me lembrava dos (muitos) clientes do meu pai. Que ficaram sem carro em lençóis de água. Mas eu não atravessei um lençol de água, eu estava dentro dele! Não sei como saí dali. Devagarinho e a deslizar tanto quanto possível. E no primeiro lugar que pude parei o carro. Estava incapaz de conduzir e disposta a dormir nele, se necessário fosse. Até que… Quando tentei estacionar o carro, eis senão que… fiquei sem direcção assistida. Bonito, o carro avariou! E fiquei ali. Sozinha. Dentro de um carro avariado. Debaixo de uma tempestade de chuva e trovoada. Sem telefone. E sem ninguém a quem telefonar. E fiquei assim. Quieta. Pode ser que passe – pensei. Passados 30 min ganhei coragem. Faltavam 3 Km a descer em direcção ao mar. Liguei o carro. Voltei a ter direcção. E com isso ganhei mais um fôlego de energia. Quando regressei à estrada estavam 3 carros “a nadar” no sítio onde eu há pouco tinha passado. Deve ser isso! Passam todos até que há aquele que já não passa. Porque é bem verdade que o carro da frente é a nossa referencia. Se aquele passa, eu também consigo!

E, por incrível que pareça, a minha pequena vila, que fica junto ao mar, não tinha sequer uma poça de água. Nem mesmo no túnel que permite passar a linha do comboio. Estacionei o carro junto a casa. Desliguei o motor. E fiquei assim. Quieta. Com o corpo rígido, com excepção das mãos tremulas. E senti-me sozinha, sem rede. Entrei no prédio, onde o meu vizinho erguia a bicicleta para escorrer a água. Sorri. Pensei que também a bicicleta “meteu” água. Nunca como hoje foi tão bom chegar a casa. Senti-me segura e envolvida pelas minhas coisas. E telefonei ao meu pai. Porque foi a pessoa de quem mais precisei. E nestes 9 Km esteve presente. Ao meu lado. E (talvez também por sentir que ele estava comigo) cheguei.

5 responses to “E nestes 9 Km esteve presente. Ao meu lado. E (talvez também por sentir que ele estava comigo) cheguei.

  1. São aquelas pessoas que estão sempre connosco…no matter what 🙂

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  2. O nosso verdadeiro porto seguro, mesmos sem a presença física, eles estão connosco… sinto muitas saudades do meu… mesmo sem ele cá estar, sinto que ele me protege e que me está sempre a ver.

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  3. Acredito que sim Ricardo.

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  4. Pingback: Depois do episódio “barco fiesta na Côte d Ázur” deixo-vos as últimas peripécias! | agora digo eu

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