Tenho origens no interior de Portugal. Uma mistura de genes ribatejanos e beirãs. Habituei-me, por isso, aos “avecs” – aqueles personagens que chegam à terrinha no início de Agosto-, com os relógios de ouro, os carros grandes e os penteados de muito mau gosto. Habituei-me aos seus “viens ici” e “lá na França”. E posso dizer-vos que a minha representação de “emigrante” nem sempre foi a mais simpática.
Pois bem. De há um tempo a esta parte dou comigo a falar um “franguês” de que pouco me orgulho. O meu cérebro tem-se encarregado de fazer umas misturas lexicais do mais bizarro que existe. Daquelas que não são nem francês nem português. As minha áreas de Broca e de Wernicke nunca estiveram tão confusas…
Passei o verão a dizer “Beatriz faz atenção a…”. “Mamã não é faz atenção. É tem atenção.” Pois… Mais em francês diz-se “fait attention!”. Outra frase comum “Mas o que é que te arriva?”. Ridículo. Em francês dizemos “Mais qu´est-ce qui t´arrive?” quando queremos dizer “o que é que se passa contigo?”. Outra. “Beatriz sai de cima da mamã. Assim vou ficar vidada. – Vais ficar o quê mamã?! -Vidada! Isso e o quê mamã?” Comecei a pensar se em português existe o verbo vidar! Percebi que não. Em português é esvaziar. E eu fiz a associação com a palavra “vide”, que em francês significa vazio. Não fiquemos por aqui. “Voltas quando? – Vou retornar a 25!” ?!?!?!?! Retornar? Ah! Retourner é em francês! Em português diz-se regressar! “Mamã onde é que estão as minhas barbatanas? – Estão no carro. No cofre. -Mas tu tens um cofre no carro? Ahm?! Cofre?! Ah, cofre é a mala do carro!”
E bom. Escrevo este post antes de partir para uma formação em cirurgia. Será naquela que os franceses designam por “primeira vila árabe atravessada pelo Paris – Dakar”. (a relação entre uns e outros nunca esteve tão… faltam-me os adjectivos, mas um destes dias escreverei sobre isso). Marselha. Inscrevi-me nesta formação há quase um ano. No laboratório faço microcirurgia no cérebro dos ratinhos. Achei que valia a pena aprender um pouco mais. Na sexta-feira tomei conhecimento de um pequeno detalhe. Assim sem qualquer importância. A formação em cirurgia será, sobretudo, prática. Sim. Excelente! Em animais. Sim. Naturalmente! Em PORCOS! Ahmmmmm? Em QUOI? (é nestas alturas que o meu cérebro pensa em franguês!) Mas Alô?!?!?!?!? Em Porcos? Eu trabalho com ratinhos…
Depois conto-vos como foi! Eu, numa formação de cirurgia em porcos, num apartamento com 2 moços e 2 moças… Isto promete, é o que vos digo! 🙂
Até breve!
Eu acho que esse problema acontece a todos os bilingues e sobretudo aos que praticam assiduamente as 2 línguas. E o caso piora, quando se trata de línguas com a mesma origem, como é o caso do francês. Se é relativamente fácil verificarmos as “marteladas” que damos no português, já é bem mais difícil de nos apercebermos daquelas que damos no francês. Exe: cortei o cabelo, j’ai coupé les cheveux (tradução à letra), em vez de, je me suis coupé les cheveux.
Como existem muitas palavras que terminam em – ação – e que em francês terminam em “tion”, a nossa tendência é traduzir tudo dessa maneira: direcção – direction; acção – action, etc., e quando chegamos a constipação, os franciús arriscam-se a levar com a constipation! É de rir, porque constipation significa “prisão de ventre”, ahahah. Outros lapsos de traduções à letra, para, estou a comer, dizem, je suis à manger, em vez de, “je suis en train de manger”.
PP, reparei que ainda não acerta… nos acentos franceses, não se preocupe… que eles, os franceses de “souche” também falham e de que maneira, mas queria deixar-lhe uma explicação simples. O – á – com acento agudo não existe na língua francesa, só existe o à. Em “ voilà ”, o acento é grave. E no mon chèr, não existe acento, “mon cher et ma chère”.
Apesar de eu ter excelentes conhecimentos de francês (oral e escrita), pois estudei e vivi uns anos em Paris e até fui prof. de francês em Portugal, por vezes apercebo-me que “invento” palavras francesas, sobretudo alguns adjectivos e advérbios, que existem em português mas não em francês. . Ser um bom bilingue, tem vantagens e tem defeitos!
P.S. – Continuo e continuarei a escrever em português, anterior ao acordo ortográfico.
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Eu também escrevo pre-acordo. E honestamente não faço qualquer esforço para fazer doutro modo 🙂 ri-me imenso com o teu comentário, porque tive muitas situações caricatas com traduções à letra. Por exemplo com o verbo “coucher” – de tal modo que o eliminei das minhas frases porque dava sempre asneira 🙂
Quanto aos acentos. Obrigada. Para mim é complicado porque é completamente diferente – a verdade é que não tive aulas de francês. Se aprender a falar ça va, a escrever ça va pas 🙂 beijinho
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ahahah j’ai couché, au lieu de je me suis couché 🙂
et oui, c’est pas facile !
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Ah oui 🙂 não devo ser a única ahahah
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como eu te entendo Paula! 🙂
felizmente no meu circulo restrito de amigos portugueses, quando estou em Genève, fala-se Português correcto … já fora dele, posso dizer, que é um horror, muitas vezes me acusam pelo vocabulário que utilizo, dizem que são palavras caras…(já falei sobre isto no meu blog) mas, no meio disto tudo, o francês daqui deixa muito a desejar…uma mistura de pronuncias como não há em mais nenhum outro local… no fundo, são estas pequenas grandes coisas que nos enriquecem…
boa sorte com os suínos !!! ahahhahahh
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Obrigada pelo teu comentário. Só hoje te consigo responder. O meu francês ainda não é do nível que gostaria. Sobretudo porque padeço do mesmo mal – gosto de falar bem português – que alguns designam por palavras caras e eu prefiro “léxico rico ou diverso” 🙂 beijinhos
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Gostei imenso do relato, diverti-me mesmo! e quanto à semana de trabalho na volta são porquinhos da Índia 🙂 boa sorte e feliciades
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Obrigada Ana. Pele de porco dura, gordurosa, mal-cheirosa,… Para suturar! Ao mesmo tempo que ouço “a pele do porco é a mais parecida que existe com a do homem” – ca nojoooo
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hahahahah muito bom! 😀 🙂
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🙂
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E isso é só o início. Depois piora 🙂
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Espero que não piore
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É um dos “ossos do ofício” de quem passa a falar uma língua nova todos os dias. Às tantas parece que o cérebro mistura tudo e o resultado até mete medo! 😉
No entanto, always look on the bright side of life!
De repente, assim como quem não quer a coisa, estás a falar um dialecto novo: o frantuguês! 😉
Eu também sou do interior e lembro-me de muitos Verões em que me divertia bastante com o meu irmão a gozar (muito!) com a maneira de falar da rapaziada que ia passar o Verão a Portugal. Agora, depois de dois anos na Suiça, volta e meia sai-me uma calinada. E custa um bocado…
Mas bem, se um dia começar a não dar conta que as digo, vou ficar preocupado. Por enquanto, olha…dá para “rigolar” de vez em quando 😉
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Eu também tenho essa vertente, vim de França para Portugal, quando dou essas mesmas calinadas, como por exemplo, “tu não vês que j’arrive?” e outras melhores ainda, costume dizer que o meu idioma virou para Françuguês! 🙂
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