Hoje apeteceu-me escrever de uma forma diferente. Apeteceu-me escrever em estilo de romance. Não é que eu saiba. Há quem diga que tenho jeito com as palavras. Há quem diga que não sei escrever. Mas tenho desculpa. Sou cientista. E os cientistas são dados à razão. As emoções ficam em casa. Mas é em casa que escrevo. Por isso hoje (não se assustem, isto não me acontece com regularidade) apeteceu-me escrever com emoção. Costumamos dizer que da nossa vida já sabemos. Por isso é tão interessante a vida dos outros. O que eu acho mesmo interessante é a vida dos outros que eu invento (sim porque um cientista tem de inventar (descobrir – lá está o concreto a tirar a piada) alguma coisa.
Deixo-vos então este romance abreviado (o antes e o depois é para cada um de vós, que o lê, imaginar).
E comungando do prazer do silêncio aproximei-me e encostei, ao dele, o meu corpo.
A tarde solarenga convidava a passeio sem destino por Lisboa antiga. A luz enfraquecida pela hora, ganhava em cor, o que perdia em calor. Uma luz alaranjada que se estendia como uma cortina. O casario envelhecido transpirava cor e os rostos, daqueles que por mim passavam, sorriam com o olhar. E aqueceu-me a alma, mas não o corpo. E caminhei a passos rápidos. Aqueles que temos com a energia de quem quer descobrir as ruas, os recantos, os muros ou as varandas sobre os telhados. E aí parava. A máquina pendurada no braço exigia atenção e eu sem vontade de a ligar. Mas aquele momento era meu. E eu queria que fosse íntimo e intransmissível. Aquele que fotografei com os meus olhos e guardei na memória. E como é imaginado não é concreto. A fotografia perfeita. Aquela que não cheguei a tirar!
Cedi à tentação do azul intenso que espreitava no horizonte de algumas ruas. Caminhei em direcção ao Tejo. Cheguei à margem. Sentei-me no chão, de joelhos encostados ao peito. Ali fiquei. O ruído das vozes, dos carros,… pareciam-me tão distantes. Sem que o pudesse adivinhar, ouvi o meu nome. Ouvi uma e outra vez.
-Leonor!
Seria para mim? Pensei. E a voz aproximou-se. Aquela voz!… Não podia ser! Não fazia sentido. Nem naquele tempo, muito menos naquele espaço. E fiquei perdida na interrogação de uma lembrança. A voz repetiu-se. Agora mais física. Agora com cheiro… e tão assustadoramente real. Senti o coração disparar. Levantei a cabeça e vi-o.
-Francisco! Foi apenas o que consegui murmurar. Levantei-me. E fiquei ali. Imóvel. Incrédula.
Terão sido segundos, minutos,… que os nossos olhares se invadiram? Um misto de interrogação e afirmação. Senti a tua falta! Por onde andaste? Quero-te! É bom ver-te! Sentes o que eu estou a sentir? Será que ainda me acha atraente? E nos atropelos do que se quer dizer, mas se tem medo, nada disse. E ficámos assim. Frente a frente!
Ele, sem desviar o olhar, colocou a mão no meu pescoço e com o polegar tocou levemente os meus lábios, num gesto lento e sem palavras audíveis. E eu senti. Senti e quis sentir… E comungando do prazer do silêncio aproximei-me e encostei, ao dele, o meu corpo. E ele sentiu,… Sentiu os meus lábios tocarem os dele, num beijo sem pressa, sem regra e sem depois. Fechei os olhos e viajei nas sensações que o corpo encerra, envolvida num abraço sem escala, no toque de umas mãos que me percorrem sem medos ou hesitações.
Adivinhei uma partilha maior, em outro local, por certo. Mais intimo, mas ainda assim, tão livre quanto o mar em que o Tejo deixa de o ser.
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