Nome : Indefinido
Sexo : Masculino
Idade : 36 anos
Naturalidade : Cuba (Havana)
Morada actual : Europa Ocidental
Profissão : Indefinido
Pediu-nos anonimato, sobretudo pelo bem-estar da sua família. Nós respeitámos. De que importa o nome, o rosto ou a profissão… quando dele recebemos a simplicidade de um discurso amadurecido sobre Cuba, sobre a pessoa que foi e a pessoa que é ! Os olhos, que preservam a essência de olhar criança, emocionaram-se na ausência de palavras suficientes. Na verdade, os silêncios prolongados foram, também eles, uma forma de dizer… às vezes mais, do que se palavras tivesse dito!
Com que idade saíste de Cuba ?
Saí de Cuba pela primeira vez aos 28 anos, para fazer um estagio de 3 meses em Sevilha. Nessa altura, em 2006, tinha 20€/semana para comer. Fiquei fascinado com o Carrefour. Nunca tinha estado num supermercado daquela dimensão, com tantas possibilidades de escolha! Em Cuba os supermercados são pequenos e não existe variedade de produtos.
O que é que fazias ao fim de semana ? Como é que ocupavas o teu tempo livre ?
Não tinha tempo livre, ou melhor, como não tinha dinheiro trabalhava todo o tempo! Estava a ter imenso prazer com o meu trabalho, tudo era mais fácil do que em Cuba, por isso trabalhava os 7 dias da semana. Desse modo esquecia-me de que tinha fome e não gastava dinheiro.
Como é que surgiu essa oportunidade de sair de Cuba ?
Para sair de Cuba é necessário ter uma permissão do governo. A minha chefe tinha uma colaboração com Espanha e surgiu a oportunidade – para mim foi, fundamentalmente, a oportunidade de conhecer o mundo fora de Cuba – mas na altura pensei que seria por apenas 3 meses.
Como foi regressar a Cuba ?
Foi um misto de sentimentos. Contente porque sentia falta da minha familia. Triste porque em Sevilha tudo era muito mais simples. Fazer o meu trabalho era fácil, as coisas funcionavam, sentia-me num país grande, aberto ao mundo, não sentia limitações – no fundo acho que estava fascinado com a novidade de um mundo que há pouco tinha começado a descobrir.
Quantas vezes falaste com a tua família, no período de tempo em que estiveste em Sevilha ?
Penso que 3 ou 4 vezes.
Mais tarde voltaste a sair de Cuba. Desta vez quase em definitivo. Como foi essa decisão ?
A decisão de sair definitivamente surgiu um ano e meio depois. A minha vida em Cuba mudou – o meu casamento terminou, no trabalho estava a ter alguns prolemas. Havana tornou-se uma cidade demasiado pequena para mim. A experiência que tinha tido em Sevilha foi definitiva para tomar a decisão de partir. Eu tinha a experiência de uma vida em que tudo era mais fácil – Em Cuba a energia que se coloca para fazer algo acontecer é muitissimo maior. O meu grande objectivo era sair de Cuba, não me interessava para onde. Se hoje penso sobre o meu percurso, é interessante perceber que no início o meu grande desejo era sair – agora, depois de ter vivido em diferentes países da Europa, sou mais selectivo. Agora quero escolher o sitio em que quero viver.
E como é feitra essa escolha ? Quais são as tuas prioridades ?
Basicamente é sentir-me feliz. Isso significa poder fazer o meu trabalho e ter segurança para construir a minha familia. Posso dizer-te que neste momento tenho muito menos medo do que quando saí de Cuba.
Imaginas voltar a ter a tua vida em Cuba ?
Sim… (silêncio )
O que é que mudou ?
Eu mudei… (silêncio). Talvez porque a minha percepção de Cuba hoje seja uma percepção nostálgica. Para mim Cuba é o lugar onde eu nasci, onde estudei, onde tenho a minha família. É possível que eu nem saiba como é Cuba hoje. Quando te respondo que poderia imaginar a minha vida em Cuba, quem te fala não é o mesmo homem que não conhecia o mundo, que se sentia limitado… estou a falar como alguém que tem a saudade das coisas boas, mas que também tem a liberdade da Europa, que pode entrar e sair quando quer, que tem dinheiro para viajar, que tem supermercados grandes, publicidade – em Cuba não existe publicidade – que tem internet… Os cubanos são pessoas muito educadas, com um grande sentido de valores morais e sociais e, em certa medida, são muito ocidentais, no entanto há uma circunstância particular – o tempo parou em Cuba – para que compreendas, seria como se a Europa tivesse parado no tempo, depois da guerra fria. Cuba é um lugar fora do mundo. Uma prova disso é a falta de conexão internet, tal como a conhecemos no resto do mundo.
Sentes que a situação política em Cuba te limitou na pessoa que és ?
Em Cuba tudo é política. Apesar de ter estudado alguns anos medicina, desisti do curso porque não quis depender do governo. Para ti talvez seja complicado compreenderes o que estou a dizer, mas em Cuba, se estudas Medicina significa que vais ter de trabalhar toda a tua vida sob a decisão do poder político. Se decidirem que vais 2 anos para a Venezuela ou outro país das relações cubanas, és obrigado a ir – não importa família ou a tua vontade pessoal. Se decides que queres ter uma experiência pessoal no estrangeiro, terás de pedir uma carta de liberação, para que te permitam a saída. Entre o pedido e a emissão desse documento passam, em média, 10 anos. Se decides sair de férias e não voltar, significa que não podes mesmo voltar – e pode também significar que a tua família não poderá sair. Esta é a Cuba de onde parti – muita coisa esta a mudar neste momento – a partir de Janeiro, segundo o que está previsto, será possível entrar e sair do país de uma forma mais livre.
Cuba será diferente como? na tua opinião?
Será diferente… Está diferente… Não sei se para melhor, mas diferente… (silêncio). Em Cuba há coisas boas. Por exemplo Guatemala ou Honduras, são países que têm realidades políticas semelhantes a Cuba, mas em que pouco ou nada funciona. Em Cuba o sistema de saúde e o sistema de educação publicos funcionam muito bem – aliás, não existem sistemas privados. E é uma sociedade que não assenta em principios capitalistas, como o consumismo ou as grandes diferenças sociais. Quando há fome, todos têm fome. Quando as coisas melhoram, melhoram para a maior parte das pessoas. Não faz sentido roubar, por exemplo. Porque todos têm o mesmo – que é quase nada, mas é o suficiente para viver.
Quando eu digo que não sei se Cuba muda para melhor refiro-me às mudanças políticas. Em Cuba existem eleições. Mas só existe um partido. E um único candidato. As pessoas votam nesse candidato. Neste momento foi aprovada uma lei que determina que os cargos elegíveis têm duraçao de 5 anos e a mesma pessoa só pode ocupar o cargo por 2 mandatos. Isso vai significar uma alteração muito grande face ao passado.
Cuba em três aspectos positivos:
1. Educação pública,
2. Saúde pública
3. Igualdade social.
E três aspecto negativos
(silêncio)
1. Demasiada relevância do poder político – em Cuba tudo está relacionado com o governo. Em Cuba ou estás com o governo ou estás contra o governo. Sendo que se estás contra o governo a tua vida – e da tua família – torna-se muito complicada. E quando digo muito complicada, é na verdade muito difícil.
2. O isolamento.
3. Os cubanos são, por vezes, pouco confiáveis.
O que é que existe em ti de Fidel Castro ?
O Orgulho!
Que queres dizer com isso ?
Todos nós, Cubanos, temos um imenso orgulho em Cuba e esse orgulho vem de Castro. Somos um país pequeno que fez frente a um país gigante como os Estados Unidos. Cuba funciona em muitos aspectos, mantivemos a nossa identidade e não nos vergámos. Esse é o orgulho cubano e acho que é o que mais existe em mim de Castro.
Qual é o teu maior medo para Cuba?
O sistema cubano mudará, muito provavelmente, para uma democracia tal como é conhecida nos países ocidentais. O facto de termos estado sob uma ditadura por mais de cinco décadas, faz-me ter receio face à possivel reacção do povo cubano – não estou certo de que saibam como lidar com isso… Pode haver pessoas (ou entidades) dispostas a tirar vantagens de tais circunstâncias. Finalmente, as coisas boas que restaram da Revolução podem ser perdidas…
Vou pedir-te para completares algumas frases que te vou dizer!
Se eu fosse uma cor seria… Branco. Porque é simples e claro.
Não gosto de pessoas… Mentirosas!
A Europa é… Interessante.
De Cuba sinto falta de… minha família.
A Cuba voltarei para viver se… não sei. Penso que será pouco provável.
O meu sonha para Cuba é… que tenha a maturidade para tomar as decisões correctas.
O sitio onde eu quero estar é… a minha mulher.
Ficha Técnica
Entrevista e Texto: Paula Pousinha
Tradução e Revisão: Christian Marques (electricganesha.wordpress.com)
Ilustração : Sara Franco (www.sarafranco.net)