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Há três anos na Côte d´Azur. E tornei-me (n)isto…

Hoje faz três anos que cheguei à Côte d´Azur! Não posso dizer que parece ter sido ontem. Porque senti o tempo passar…

Ser emigrante ou expatriado ou o que lhe quiserem chamar… é uma sensação de não pertencer a parte alguma. Mesmo que inconscientemente nos apropriemos dos espaços, das sensações, dos sabores… há em nós – ou porventura apenas em mim -, o sentimento de não pertença. Tenho pensado muito sobre isto. Sobre onde verdadeiramente me sinto em casa. É verdade que Lisboa é a cidade que habita o meu coração. Por todas as razões. Mas também é verdade que me sinto cada vez mais estrangeira no meu país. Em França sinto falta de falar português e dou comigo, em Portugal, a sentir-me melhor com estrangeiros do que com portugueses. Dou comigo a procurar as palavras para me expressar. E há vezes em que o que quero dizer só pode ser dito em francês. Não bastante. Há vezes em que sinto o mesmo, mas em inglês. Já não gosto assim tanto de pasteis de nata – são demasiado doces, as mesas fartas tiram-me a fome, o excesso de familiariedade deixa-me desconfortável, assim como as conversas de pequenez…

No presente eu sou isto! Não há quem aguente! Por vezes… nem eu!

França tornou-me mais confiante a todos os níveis. Não sei se foi França ou a experiência de ter tido a ousadia de trocar a vida confortável que tinha, por uma outra… bem mais incerta. França é um país que às vezes amo… e outras vezes odeio. É um país que por vezes me faz sentir a mais… e outras me segura e me diz que precisa de mim. É um país que me deixa sonhar porque me segura, não me deixando cair. É um país que me ensinou a falar de lábios quase fechados proferindo palavras que soam a petits bisous. É um país em forma de hexágono como os favos de mel. Às vezes tenho vontade de ficar. Às vezes tenho vontade de partir. E de todas as vezes que sinto vontade de partir, olho este mar em frente e sinto saudades… mesmo antes de partir.

Uma pessoa esgota os diplomas universitários para depois não saber resolver as equações simples da vida!

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E tem sido esta a minha vida. Há três anos de malas feitas. Uma pausa que se transformou numa (quase) eterna vírgula. Onde não estou lá… mas também não estou aqui. Três anos pode ser tanto tempo. Três anos é tanto tempo!

Em modo “verão outonal”

Estou em modo “verão outonal”… Aprendi este conceito desde que vivo em frente ao mar. Ir à praia não é uma urgência. Porque se pode ir sempre. Porque se pode ir apenas um bocadinho. Estar bronzeado nem é importante. Porque a pele dos que vivem junto ao mar nunca é muito branca, nem se deseja muito morena – sob pena de se envelhecer mais rapido do que o previsto. O sol é quente mas não queima. A brisa traz um fresquinho que me faz gostar de casacos de malha. Mesmo que as sandalias continuem nos pés. Os dias são mais pequenos. Mas parecem-me estranhamente mais longos. A Côte d’Azur faz-se em dois tempos: O frenético verão – que começa em Abril – e o doce outono, interrompido por janeiro – o unico mês de inverno.

Não tenho escrito. Porque nem sempre posso escrever o que me apetece, como me apetece. Porque os meus dias se têm preenchido de um sereno quase nada. O laboratorio. O laboratorio. E ainda o laboratorio. E pouco mais.

Amanhã regresso a Lisboa. à melhor parte de mim.

E era isto…

Marselha… e a (surreal) ida ao Consulado :\

Estou de regresso ao laboratório depois de uma (quase interminável) semana em Marselha.

A formação em cirurgia correu bem. Só utilizámos o porco como modelo no módulo de sutura – felizmente – o dito cheira mal que se farta, tem uma pele gordurosa, dura e nojenta. Senti que estava na aula de texteis – quando aprendi a fazer ponto cruz e derivados -, mas na versão coser pele. “A pele do porco é a mais parecida que existe com a pele do Homem”, lá dizia o formador orgulhoso do seu modelo e eu com aquela cara de “ca nojoooo”. O assistente técnico trouxe-me uma mascara – deve ter topado a minha expressão de empatia pelo exemplar suíno! Mas eu fiz-me de forte e disse que não! é que entre tirar as luvas todas gordurosas, colocar a mascara, recolocar outras luvas,.. eu queria mesmo era sair da sala :)!

Formação à parte, Marselha não me seduziu. Cheira a excreções azotadas líquidas por todo o lado. é uma incontinência urinária que não se aguenta. As ruas são sujas e deu-me a sensação de que toda a cidade está em obras. Fartei-me de comer (e de beber vinho). Mas fomos selectivos. Desde o l’ entrecôte acompanhado de vinhos frutados e tabua de charcutaria com queijos (de que não sou apreciadora) às variedades gastronómicas menos francesas. O vinho esteve sempre presente – mesmo que me tenha espantado por existir produção de vinho com 13% álcool em Israel ou Argélia.

Mas o momento hilariante foi a minha ida ao Consulado de Portugal em Marselha. Telefonei para saber se seria possível marcar uma hora – já que em França tudo é tratado por rendez-vous. “Não. Aqui não aceitamos marcações. Tira a senha e aguarda pela sua vez. E tem de se inscrever. Precisa trazer 2 fotografias.” Ups! Fotografias. Toca de ir a uma daquelas máquinas que se deveriam chamar “Torna-te criminoso em 2 minutos”. Fiquei mais que muito feia. Mas não importa. Avenue du Prado, 141. Vi a bandeira portuguesa na janela. Senti-me mais próxima do meu País – é estúpido, mas é verdade! 2° andar. Entrei na sala e… voltei à porta de entrada para ver se me tinha enganado. Achei um bocado estranho ser a única branca. Tiro a senha. Espero. E espero. E espero. E enquanto espero distraio-me com as crianças aos pulos. A chico-espertisse. As conversas – pareceu-me que aquela gente estava toda ali por dois motivos: ou para casar ou para pedir a nacionalidade portuguesa para filhos e familiares. Após 2h30… chega a minha vez!

“Está há 2 anos em França e ainda não está inscrita no Consulado?” Não?!? “Hum… Então vamos fazer a sua inscrição. Tem o seu cartão de cidadão? Casada ou solteira?” Sou divorciada. “Divorciada? Ai é!? está cá em França e é divorciada? Está cá sozinha?” Ahm!?!? Fiquei sem saber o que dizer. “Deixe estar, isso também não é importante. Qual é a sua profissão aqui em França?” Sou investigadora. “Ah oui!?!? Investigadora?” Sim, aqui designa-se Chercheur CNRS CDD. “Hum vamos ver… Aqui no sistema não posso colocar investigadora. Aqui só tenho empregada de limpeza, porteira e coisas assim. Investigador não existe.” E eu fiquei com cara de parva a olhar para a senhora – SURREAL. “Olhe vou colocar diversos na sua profissão”. Deve ser por isso que nos consideram (aos portugueses) versáteis e polivalentes. Breve. Tratei do documento que motivou a minha ida ao Consulado. “Siga-me. Para pagar tem de ser com o meu chefe.” Chegamos à porta do gabinete do chefe. Fechado. “Olhe tem de esperar. Ele foi comprar uma sandes, está na hora de almoço, sabe?” Oh se sei! estou aqui há mais de 2h… “Aguarde um bocadinho na sala de espera, que ele não deve demorar.” Chegou passado algum tempo.  Entro. Pergunto se posso pagar com carte blue (multibanco). “Não. Aqui só aceitamos pagamento em líquido” Em quê?!?! “Em líquido, dinheiro vivo. Há algum tempo ainda aceitávamos cheques mas desde que um magano nos passou um cheque sem cobertura, só aceitamos em líquido.” Lá fui eu à procura de uma caixa multibanco – em Portugal há um em cada esquina. Não é o caso em França. Retornei ao Consulado com os 30€ e… com vontade de não voltar!

Mais uns dias e estou de regresso a Lisboa :)!

E era isto!

O regresso ao trabalho. A resolução para 2014. As áreas de serviço em Espanha. E outros assuntos sem importância.

Estou de regresso ao trabalho. Tenho esperança de estar em ritmo normal lá para quinta feira. É que além do facto de não me ser, propriamente, fácil acordar cedo, ainda existem  (imaginem só) as inúmeras caixas de chocolate que os colegas trouxeram para o laboratório. Os momentos sociais (leia-se cafés) tornaram-se ainda mais longos. Eu explico. Uma pessoa decide perder 15Kg em 2014. Sim 15Kg – eu sei, é um bocado demais, mas vá, em Marrocos ensinaram-me que devemos partir sempre de um valor muito acima do razoável. Lá para Junho desço a fasquia para 2 quilinhos! Continuando. Uma pessoa toma um pequeno almoço saudável. Chega ao laboratório às 10h da manhã (o que não se pode dizer cedo) e passa 2h entre os cafés (e chocolates) do 1º e 2º pisos. Curiosamente a tempo de almoçar às 12h e de voltar ao Instituto, para mais uma sessão de cafés (e chocolates).

Saí de Lisboa no Sábado às 9h30 da manhã. Ainda pensei manter-me na cama – chovia que estava danado – mas o passeio não era propriamente ao Terreiro do Paço. Na vida de emigrante uma pessoa aprende a sair de casa para uma viagem de 2000Km, como quem sai para ir ao Porto. Desta vez optei pelo sul. O mau tempo adivinhava neve no norte de Espanha e devido a este episódio, neve é coisa que quero bem longe, quando estou em viagem. Elvas, Madrid, Barcelona, Perpignan, Nice. Feito! Foi uma viagem sem sobressaltos de maior. Passei o domingo com a sensação de que ainda estava ao volante – com a cabeça a ressoar os quilómetros de estrada, mas já passou.

Durante a viagem reparei em duas coisas. Primeiro: A quantidade de shoppings em Portugal e Espanha, à beira da auto-estrada (sobretudo na periferia das cidades, dentro das cidades e junto às fronteiras – que é como quem diz, em todo o lado). É impressionante. Sobretudo se pensar que durante os 700 Km que fiz em França não passei por um único. Dois: Se não existe um filme cujo argumento se inspire numa área de serviço de auto-estrada em Espanha, deveria haver!

Shoppings? Enquanto conduzia só pensava nesta lengalenga. Lá pelo fim dos anos 80 deve haver quem tenha pensado: “Vamos facilitar o crédito àqueles países da Peninsula Ibérica – como nunca tiveram nada, vão querer tudo. Vamos fazer shoppings e mais shoppings e ainda mais shoppings. Com luzinhas e promoções e lojas e diversões. E eles vão comprar e comprar e comprar. E nós vamos produzir e produzir e produzir. E nós vamos ficar (ainda mais ricos). E eles vão ficar na falência. E depois vamos ajudá-los. Vamos emprestar dinheiro. Com muitas garantias e muitos juros. Para comprarem ainda mais!… Pois.

A auto-estrada (grátis) que liga Madrid a Lleida não é muito diferente do imaginário dos filmes do farwest, em que cidades inteiras parecem ter sido abandonadas por gentes com pressa. Não existe vivalma e acumulam-se as fábricas, armazéns, urbanizações,… com letreiros que indicam que ali já existiu, mesmo que em tempos remotos, vida. O que não deixa de ser curioso é a existência de áreas de serviço a cada 5/10 Km. Para um português uma área de serviço significa que existe, além das bombas de gasolina, um espaço agradável para tomar um café, ir à casa-de-banho, comer… É bem verdade que se pode fazer isto tudo numa estação de serviço em Espanha, mas não é bem a mesma coisa! Começa logo por encontrar a área de serviço. Sim, não é fácil, acreditem! Uma pessoa vê um painel informativo: área de serviço com combustível, restaurante, cafetaria, hotel,… Sai da auto-estrada – sem qualquer iluminação, apenas a do carro. Rapidamente entra numa estrada de terra, esburacada, com uns letreiros escritos à mão a jeito de anunciar o local. Por vezes há ainda a indicação Club, só para o caso de, além do café, querer também uma companhia com metro e meio de pernas (a avaliar pelas fotografias das damas). O interior do que apelidam restaurante, é um misto de qualquer coisa com muito mau gosto. Vi de tudo. As máquinas de jogo não falham – parece que os espanhóis gostam mesmo de jogo – ora estão nas máquinas, ora nos jogos de mesa. O álcool não falta. Bem como as mulheres, de roupas prirosas em padrão tigrês-leopardo 2 números abaixo, que oscilam entre a versão bêbeda contente – com gargalhadas e cantorias – ou bêbeda zangada que manda *oder toda a gente da sala. A juntar aos espanhóis nativos, a este cenário de paredes decoradas com garrafas ou cabeças de touros embalsamadas, existe ainda o emigrante português. Sim. Olhamos uns para os outros sem dizer nada. Hum… Também és emigrante. Os diálogos fazem-se na casa de banho.  “Ainda lhe faltam muitos? Ah vai para Marselha? Eu vou para Bruxelas. É mais um bocadinho! Então boa viagem!” Falta-me dizer que o café é uma *erda!

Até breve!

“Emigrar, Vírgula” – uma ideia de projecto, uma equipa improvável…

Este blog teve início quando (também) eu decidi emigrar (não gosto desta palavra – talvez porque por razões históricas lhe associe uma conotação negativa). Foram vários os textos que escrevi sobre este tema, muitas vezes com a tristeza de quem sente saudades. Hoje, passado um ano e meio, sinto que foi cada um desses momentos, em boa parte de solidão, que me permitiram crescer. Senti-me muitas vezes mais frágil do que supunha possível. Mas mesmo frágil, percebi que me tinha apenas a mim, para ultrapassar esses estados de maior vulnerabilidade emocional. Esta experiência fez-me  sentir mais pequena, mas também é verdade que o meu mundo se tornou muito maior.

Muitas têm sido as páginas de jornais e revistas (ou minutos de televisão) que os media têm dedicado à emigração dos jovens portugueses. No entanto, não me sinto retratada na maior parte dos trabalhos jornalísticos que tenho lido. Comecei por colocar algumas questões: “Será que todas as pessoas são capazes de emigrar?”, “Será que existem traços de personalidade comuns às pessoas que emigram?”, “Será que o motor da emigração é sempre a precaridade do país natal?”, “A decisão de emigrar está relacionada com a sua nacionalidade ou é intrínseca à personalidade do sujeito?”, “O que muda no olhar de quem emigra, quando, à distância, observa o seu país natal?” e outras tantas que aqui poderia escrever… É das questões que surgem as ideias… E foi deste modo que tive a ideia de iniciar um projecto que tem neste espaço – o agoradigoeu – a sua janela!

Há pouco escrevi que o meu mundo se tornou maior. Não pela sua geografia, mas pelas pessoas que tenho conhecido. Pelas pessoas, as suas estórias e as estórias dos seus países. Este poder ouvir na primeira pessoa é, sem dúvida, um privilégio. No desejo de partilhar convosco as motivações, os desejos e as frustrações das pessoas emigradas que tenho conhecido, bem como o seu olhar sobre o seu país natal… surgiu o projecto “Emigrar, Vírgula”! (a designação ainda está em estado embrionário).

“Emigrar, Vírgula” é um projecto entrevista, ou seja, a ideia é entrevistar pessoas com idade entre os 23 e os 40 anos, que habitem num país diferente daquele em que viveram até à maioridade. Gosto de ter ideias e gosto de as concretizar, sobretudo se for em equipa. Nesse sentido convidei um amigo,  o Christian Marques, também ele blogger (electricganesha.wordpress.com), para fazer parte deste projecto. Após a produção da primeira entrevista sentimos que a mesma exigia uma ilustração. Sara Franco, a residir no Canadá, é o terceiro elemento. São dela as ilustrações – deixo-vos o convite para espreitarem o seu site aqui.

As entrevistas serão publicadas em português e em inglês, com uma periodicidade de 2 a 3 por mês. Durante esta semana será publicada a primeira entrevista… Emigar, Vírgula! é mesmo isso… as virgulas de um verbo que é, sobretudo, um processo de desenvolvimento pessoal… Começamos com Cuba, ou melhor, com um cubano com os pés na Europa… E não poderíamos (como por altura da publicação vão perceber) ter começado melhor!

Até lá! 🙂