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Uma carta de amor na forma de livro.

A minha filha celebra o seu décimo aniversário este mês. O que começou por ser uma carta de amor, acabou por se transformar num livro. Uma estória (a nossa estória) contada com letras e imagens. É sobre nós. Apenas nós: Mãe e filha. Ainda não o recebi. Estou tão curiosa para ver o resultado… nem imaginam. Deixo-vos um bocadinho do que lhe escrevi.

Começa assim:

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Esta é uma carta de amor em forma de livro.

Um baú de memórias que te imagino ler esta, outra e, ainda, outra vez. Todas as vezes quantas sentires vontade. Mesmo quando fores crescida e eu for (já) quase velhinha. Sei que vais (re)descobrir novos significados, a cada vez que o leres, em cada idade que tiveres… é possível que ainda não compreendas tudo o que te vou escrever. Mas não faz mal! As palavras escritas têm esta magia de serem perenes, e à medida que fores crescendo vais encontrar os significados das mensagens que hoje te parecerem (ainda) ilógicas.

Nunca gostaste de trocar de papeis comigo. Fazeres de minha mãe e eu de tua filha. E quando eras pequenina observava-te a brincar com os nenucos. Reproduzias os diálogos que eu tinha contigo. Davas carinhos, mas também castigos. Exactamente da mesma forma que eu fazia contigo. Nunca li livros sobre bebés ou educação de crianças. Raramente participei em discussões entre mães. Porque considero que não existem fórmulas. Foste tu que me fizeste nascer mãe. Foste tu que me ensinaste a educar-te. Que procuraste os limites. E eu tentei estabelecê-los. No que acreditei serem os melhores. Juntamente com o papá. Acredito que a educação se faz na primeira infância. Respeitar os pais e os mais velhos. Retribuir o amor e os sorrisos. Saber confiar. Ser grato. Saber escolher. Saber dizer não. Relativizar o insucesso. Tentar. Mesmo que pareça difícil. Pelo menos tentar. Gostar de si.

Tu nasceste depois do escudo (a moeda que existia em Portugal, antes do euro), dos telémoveis e da internet. Numa palavra, tu nasceste no tempo global, em que o mundo se torna, estranhamente, pequeno. O valor do conhecimento está à distância de um clic e cedo percebeste que o google poderia ser a tua enciclopédia. Neste tempo tão concreto, esforcei-me por desenvolver o teu lado imaginário – com os filmes de imaginação, como um dia lhes chamaste, ou livros com estórias sem sentido aparente. As viagens. Adoro viajar contigo. Mostrar-te os mundos que o mundo tem. Os museus, os teatros, as telas que pintamos, os desafios… são o ensaio de mim a tentar inspirar-te a ti.

(…)

Sabes, filha, eu gostava de poder escrever que a vida vai ser sempre simples. Mas não posso. Quando eras pequenina a mamã dizia-te que para crescermos temos de cair. No dia em que caíste da bicicleta e queimaste o rosto, perguntaste-me se para crescer era preciso te magoares tanto. Eu abracei-te. E respondi-te que às vezes é preciso.

As piores feridas são aquelas que não se vêem. No mundo dos grandes há muitos silêncios. E pior do que os muitos silêncios, há muitas palavras que escondem as palavras que deveriam ser ditas. Por vergonha. Por orgulho.

Eu serei sempre o teu colo.
Para os teus silêncios.
Para as palavras que achares que precisam ser ditas.

Prometes que nunca te vais esquecer disso ?
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Escrever. Seleccionar as fotografias. Editar cada página. Foi reviver cada ano que passou. E, na página 201, terminei assim:

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Não sei como será o futuro. Que pessoa adulta serás? Que profissão irás escolher? Que prioridades terás? Isso parece, ainda, tão distante. Estou quase a terminar, meu amor. Quase, quase. E é bem possível que o que agora vou escrever te pareça demasiado complicado. Mas eu sei que me vais voltar a ler. E que um dia vai fazer sentido.

Na minha vida aprendi que podemos perder quase tudo o que temos. Só não perdemos o que somos. Quando na vida se escolhe ter coisas, tem-se, na opinião da mamã, uma vida “poucoxinha”. As coisas não são mais do que isso: coisas! E ter coisas significa ter medo – de as perder, e ter inveja – porque há sempre quem tenha mais coisas do que nós.

Pode ser diferente.

A vida torna-se muito mais interessante quando os teus amigos gostam de ti pelo que és, e não pelo que tens. Quando sentes a tua profissão como paixão e não como uma forma de ganhar dinheiro. Quando sentes poder fazer a diferença. Quando celebras a sorte e esqueces o azar. Quando sentes que tens a vida que escolheste e não aquela que te sobrou.

“Só pessoas fortes e especiais podem conhecer lugares mágicos” lembras-te?

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Demorou algum tempo a concluir. E quando durante a última madrugada dei ordem de impressão senti-me estranha. Eram 3h da manhã e não tinha sono. O meu primeiro livro. Que muitos acharão pouco mais do que um álbum fotográfico. Mas que para mim é, sobretudo, uma carta de amor.

Uma jovem de vinte e dezasseis anos (eu!) não está preparada para ISTO!

Estou EXAUSTA. Dia de compras. Material escolar para a Beatriz. Escolheu uma mochila da Rip Curl, leia-se sem bonecos. SEM bonecos, ou bonequinhas ou florzinhas,… nada de nada infantil!

Uma jovem de vinte e dezasseis anos (eu!) não está preparada para ter uma filha que quer mochilas de marcas de surf e afins!

E nem quis lancheira! Na escola do 2º ciclo existe bar :/!

Inspira. Expira. Inspira. Expira. É tão mais simples quando os nossos filhos gostam de bonequinhos e cor-de-rosa…

“Não significa NÃO! Há coisas que não se negoceiam porque eu sou a mãe e tu és a filha.”

Ser mãe. Ter filhos. Serão uma e outra, a mesma coisa? Não existem fórmulas (mesmo que exista quem pense ter descoberto o algoritmo). Houve um tempo em que me achei “menos capaz” para a tarefa. Se antes de ser mãe me eram indiferentes as conversas dos cocós, dos dentes e das cólicas. Depois de ser mãe passaram a ser desprezíveis – não há paciência! Não fiz curso de preparação para o parto – não me parece que tenha sido necessário – esta terá sido, provavelmente, a decisão que mais me afastou (conceptualmente) de algumas mães. Aquelas que, mesmo antes de ficarem grávidas, já exercitavam o seu córtex maternal. Sim. Existe… Para algumas pessoas ocupa todo o cérebro, com forte proeminência no lobo frontal – aquele onde se inscreve a razão – assim a jeito de “é malcriado, dá-me pontapés e atira-se para o chão mas é só porque está com soninho”.

Com o tempo percebi que poderia ser melhor mãe se não me sentisse culpada. Culpada? Sim, é este o termo! Mesmo que antes desta palavra tenha tentado escrever outras. Mas que outro sentimento se pode ter quando se vive numa sociedade que se rege pelo principio: “Diz-me quantos cocós o teu filho fez hoje e eu dir-te-ei o quanto gostas dele”! Eu amo a minha filha. Não mais do que as outras mães amam os seus filhos. Não menos! Tenho a minha forma de amar. Isso significa que não quero saber tudo, mas quero que ela sinta que, se necessário for, me pode contar tudo – sem juízos ou punições. Não quero que ela dependa de mim. Mas quero que ela sinta que estarei ao seu lado, sempre que precisar. Não faço da minha filha o meu alter-ego. Mesmo que às vezes (na maior parte das vezes) tivesse razões para isso. Não digo que sim a tudo. Porque acredito que o Não é estruturante. Gosto de lhe estimular a criatividade. Que desenhe arco-iris coloridos, girafas com barbatanas e morcegos de bikini. De a levar ao teatro, aos museus, aos concertos,…  Quero que conheça um mundo maior do que a sua rua. Que se desafie. Que não tenha medo. E mesmo que os tenha (os medos), que aprenda a viver com eles – também tenho os meus – faz parte de ser pessoa.

Por ironia do destino, a mãe de uma amiga da minha filha (daquelas mães que leu todos os livros e blogs sobre crianças – deve-lhe ter escapado o “pequeno ditador”) perguntou-me se eu teria tempo para tomar um café. Estranhei. Mas a verdade é que em Lisboa o meu tempo (enquanto a Beatriz está na escola) tem quase todo o tempo. Aceitei o convite. Sem demoras ou introduções, perguntou-me: “Como é que fez com a Beatriz para ela ser tão autónoma? A minha filha é muito dependente de mim. Não dorme fora de casa. Se tem algum problema com as amigas, não quer ir para a escola. Vomita. Tem dores de cabeça. Não liga aos brinquedos. Só quer comprar, comprar, comprar….” Esta pergunta fez-me pensar… De que resposta estaria aquela mãe à espera? Limitei-me a dizer que não tinha fórmulas e que na verdade tinha a sorte de ter a Beatriz – talvez tenha nascido com ela! Se contribuí para isso? É possível que sim… Mas não estive sozinha… Fui muito exigente nos 3 primeiros anos de vida. Dura mesmo. E mesmo que alguns me tivessem dito -“oh, ela é tão pequenina. Não a castigues!” – Para mim a educação teve por base “Não significa não!” e “Há coisas que não se negoceiam porque eu sou a mãe e tu és a filha.” Isto não é diferente do que sou (ou fui) enquanto professora.

Hoje sinto-me mais serena. Superei (novamente) a culpa. Não foi fácil decidir mudar de país e no início quando ouvia outras mães dizer: “eu não conseguia viver longe dos meus filhos” sentia como uma crítica, como se me dissessem que eu, por viver longe, gosto menos da minha filha. Passado mais de um ano, muitas viagens e muitos momentos de grande cumplicidade, a Beatriz continua a sorrir com o mais genuíno dos sorrisos. Daqueles que se tem na certeza de se ser amado e protegido. IMG_8541Somos o que somos. E mesmo não sabendo precisar a data da primeira sopa, do primeiro dente e da primeira palavra (eu sei, não é normal – mas vá – é a mãe que sou) – este sorriso é apenas o que me importa!

(Até breve!)

Novas famílias é sinónimo de novas fórmulas. Os teus e os meus são, sobretudo, os nossos filhos.

Os franceses são uns verdadeiros viciados em estatística. Independentemente do tema que possa estar em discussão o seu argumento tem, não raras vezes, o valor percentual médio em França. Foi em conversas deste género que fiquei a saber que o salário médio é de 1600€. Ou que o comprimento médio do pénis em França é de 16,0 cm – um valor que referem com orgulho face aos valores (que também sabem) dos outros países. Ou ainda que 2 em cada 3 casamentos terminam em divórcio.

O assunto divórcio tem estado na ordem do dia, isto porque em França a média de filhos por casal é de 2,41. Significa, por isso, que nas famílias recompostas (como eles designam) são frequentes os filhos dela, os filhos dele e os filhos dos dois, podendo a soma alcançar facilmente a cifra de 4 ou 6 crianças / adolescentes, por casal.

Neste momento está em discussão uma lei, a ser aprovada no início do próximo ano, que irá legislar a figura de padrasto/madrasta. A discussão tem estado acesa, já que que em muitas situações (talvez a maioria) os pais têm uma má relação depois do divórcio, não aceitando o padrasto ou madrasta do seu filho. Acham inconcebível a ideia de que estas figuras possam substituir os pais biológicos na ida ao médico, à escola ou na educação dos seus “mais que tudo”. Os padrastos/madrastas, por seu turno, alegam ter direitos, por exemplo a possibilidade de manter o contacto com os enteados, caso a sua relação com o progenitor biológico termine, porque com as crianças se estabeleceram laços fortes, para muitos foram verdadeiros pais adoptivos.

Novas famílias é sinónimo de novas fórmulas. Os teus e os meus são, sobretudo, os nossos filhos. Há pessoas que me perguntam se eu não tenho ciúmes da relação que a mulher do meu ex-marido tem com a minha filha. Como poderia? Serei sempre a sua mãe! Sentir o amor que existe entre a minha filha e a mulher do meu ex-marido deixa-me sobretudo descansada. Eu própria tenho-me sentido muito mais atraída por homens que são pais do que por homens sem filhos. Talvez porque esteja cada vez mais distante da ideia de voltar a ter filhos biológicos (e os homens também têm o clic clac lá por volta dos 35/40). Talvez porque para uma mulher que é mãe, o lado paternal não lhe é indiferente. Tal como gostar de mim significa gostar da melhor parte de mim – a minha filha – o reciproco é natural. Ou deveria ser.

Sejamos adultos nós. Os ex e As ex. Porque eles. Os filhos. Os dele. Os dela. Podem ser os Nossos. Os da mãe. Os do pai. Os da madrasta. Os do padrasto. Sejamos adultos Nós!

(até breve!)