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Às simulações de incêndio e sismo… Junta-se o terrorismo.

Durante a semana que passou, a filha de uma amiga teve um dia diferente na escola. Tem 6 anos. Está na primeira classe. “Mamã hoje aprendemos o que fazer se um terrorista entrar na nossa sala.” A mãe perguntou-lhe “o que é um terrorista?”… “É alguém que vem à escola para nos matar”… “O professor disse que devemos ir para debaixo das mesas, estar calados – estivemos 30 min sem mexer nem falar – e depois ensinou-nos a comunicar por gestos e quando ele deu o sinal começamos a correr para um lugar fora da escola”.

Em Portugal a geração da minha filha cresceu com a palavra “crise”. O medo do desemprego. Os pais que estão a viver noutros países… Mas em Portugal a palavra terrorismo continua a ser – e felizmente – um eco de lugares distantes. Não é o caso em França… 

13 de Novembro de 2015. França acordará diferente amanhã…

e a Europa também!

Há três anos na Côte d´Azur. E tornei-me (n)isto…

Hoje faz três anos que cheguei à Côte d´Azur! Não posso dizer que parece ter sido ontem. Porque senti o tempo passar…

Ser emigrante ou expatriado ou o que lhe quiserem chamar… é uma sensação de não pertencer a parte alguma. Mesmo que inconscientemente nos apropriemos dos espaços, das sensações, dos sabores… há em nós – ou porventura apenas em mim -, o sentimento de não pertença. Tenho pensado muito sobre isto. Sobre onde verdadeiramente me sinto em casa. É verdade que Lisboa é a cidade que habita o meu coração. Por todas as razões. Mas também é verdade que me sinto cada vez mais estrangeira no meu país. Em França sinto falta de falar português e dou comigo, em Portugal, a sentir-me melhor com estrangeiros do que com portugueses. Dou comigo a procurar as palavras para me expressar. E há vezes em que o que quero dizer só pode ser dito em francês. Não bastante. Há vezes em que sinto o mesmo, mas em inglês. Já não gosto assim tanto de pasteis de nata – são demasiado doces, as mesas fartas tiram-me a fome, o excesso de familiariedade deixa-me desconfortável, assim como as conversas de pequenez…

No presente eu sou isto! Não há quem aguente! Por vezes… nem eu!

França tornou-me mais confiante a todos os níveis. Não sei se foi França ou a experiência de ter tido a ousadia de trocar a vida confortável que tinha, por uma outra… bem mais incerta. França é um país que às vezes amo… e outras vezes odeio. É um país que por vezes me faz sentir a mais… e outras me segura e me diz que precisa de mim. É um país que me deixa sonhar porque me segura, não me deixando cair. É um país que me ensinou a falar de lábios quase fechados proferindo palavras que soam a petits bisous. É um país em forma de hexágono como os favos de mel. Às vezes tenho vontade de ficar. Às vezes tenho vontade de partir. E de todas as vezes que sinto vontade de partir, olho este mar em frente e sinto saudades… mesmo antes de partir.

Uma pessoa esgota os diplomas universitários para depois não saber resolver as equações simples da vida!

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E tem sido esta a minha vida. Há três anos de malas feitas. Uma pausa que se transformou numa (quase) eterna vírgula. Onde não estou lá… mas também não estou aqui. Três anos pode ser tanto tempo. Três anos é tanto tempo!

(E a odisseia cartão multibanco continua :/… Ah país complicadinho, este!)

A minha aventura com o cartão multibanco que não funciona continua. Foi outra vez retido GRRRRRRRRR! Pela terceira vez!!!

Hoje fui ao banco.

– O sistema diz que ficou retido porque tentou o codigo 3 vezes!

– Diz sempre isso. Mas eu testei apenas uma.

– O sistema diz que tentou 3 vezes.

– Sim, isso aconteceu em Novembro, quando ficou retido a primeira vez. Mas vocês já desbloquearam duas vezes e acontece sempre isto. Como se não tivesse sido desbloqueado.

– Mas o sistema diz aqui “cartão retido por ter tentado 3 vezes o codigo errado”.

GRRRRRRRRRRRRRR Estava prestes a engalifar-me no senhor engravatado atrás do balcão.

– Tem a certeza que marcou o código certo?

– Tenho! Foi a Madame qualquer coisa (minha conselheira) que pediu segunda via do código e eu marquei o código correcto.

– Bom então o melhor é fazer outro cartão. Só que a Madame qualquer coisa sua conselheira hoje não esta cá.

– E quando é que está?

– Não sei. Está ausente até data indeterminada!

– Ahmmmm! Mas data indeterminada é o quê?!?!

– Não sei. A Madame qualquer coisa sua conselheira está com problemas pessoais, por isso não lhe sei dizer quando é que estará.

– Então como é que eu faço? Perguntei num misto de “Não estou a acreditar nisto” e “Vou mas é mudar de banco!!!” ou “és só parvo ou estás a gozar comigo!”

– Não sei. Deixe-me ir falar com o meu chefe. Talvez possa abrir uma excepção e pedir o cartão multibanco.

Isto enquanto eu continuava ao balcão. Sim, ao balcão. Com as pessoas a olharem para mim como “a ave rara que não percebe que é natural estar há dois meses, para ter a porra de um cartão multibanco a funcionar e não perceber que se a Madame qualquer coisa conselheira tem problemas pessoais então é dever do banco encontrar soluções.

– O meu chefe deu-me autorização. Vamos tratar disso agora!

Ufffff next…

– E se precisar de fazer uma transferência bancária como é que eu faço? é que a Madame qualquer coisa conselheira tem de dar autorização, mesmo que a faça pela internet. Normalmente eu ligo-lhe e ela faz isso.

– Pois, durante a ausência dela tem de vir cá.

– Ahmm!!! Mas eu nem sempre estou em França.

– Só a Madame qualquer coisa conselheira é que a conhece. Se não fosse assim qualquer pessoa podia ligar em seu nome.

E ele perceber que se eu estou em casa e  tenho a minha conta online é porque tenho acesso codificado à minha conta… Boa?!!!

GRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR

(E a odisseia cartão multibanco continua :/… Ah país complicadinho, este!)

Não sou Charlie!

Ontem não escrevi. Mesmo que tenha pensado escrever. Escrever sobre o pouco que sei sobre Charlie Hebdo. Escrever sobre o que ontem aprendi. Sobre o quanto um dos jornalistas mortos – Cabu – inspirou algumas pessoas de quem gosto. Muito. A cólera apoderou-se dos franceses. Tocaram no intocável: A Liberdade. “Somos Nós, o país de Voltaire, O país da liberdade de expressão”! O “11 de Setembro dos valores” que opõe armas a lápis, terroristas a jornalistas, opressão a liberdade, desumanos a todos nós que respeitamos o Outro.

Eu não sou Charlie Hebdo. Não o fui da ultima vez que no metro em Paris ocupei, em silêncio, o banco mais distante de um grupo que incomodava todos os que como eu, estavam naquela carruagem. Não o sou quando evito passear na Promenade des Anglais ao domingo à tarde. Não o sou quando tomo o percurso mais longo, para não passar junto à estação de Cannes. Não o sou de cada vez que faço silêncio quando ouço pessoas que vivem de subsídios dizer mal de França. Não o sou de cada vez que vejo as notícias sobre o que se passa lá pelo norte de África e penso que é muito longe e que são todos loucos. Não o sou porque por vezes, na maior parte das vezes, tenho medo! Vivo nesta bolha em que tudo é (quase) perfeito. Porque é fácil esquecer, quando não nos toca.

França acordou. Esfregou os olhos. Pensou ter sido um pesadelo. Não! Não foi um pesadelo! Mais ataques. Mais mortes. Tomam-se posições. Os extremistas consideram-se heróis pelos feitos. Os sociólogos justificam o sucedido pela ausência de medidas de integração: os excluídos da sociedade. Os políticos apelam à unidade nacional – com receio da crescente islamofobia. Os representantes da comunidade muçulmana – de tez clara e cabelo loiro (ai a hipocrisia) rejeitam a associação a tamanha barbárie. E no meio disto tudo ouve-se a única voz que me parece importante reter: “Parem de tratar estes assassinos como vítimas. Nós somos as vítimas. Que a morte destes jornalistas sirva, pelo menos, para isso!”

Os jornalistas do Charlie Hebdo trabalham com protecção policial há vários anos. Continuaram o seu trabalho, mesmo conhecendo os riscos. Não tiveram medo. Fizeram notícia numa linguagem que todos compreendem. Substituíram o silêncio do medo pelo riso da sátira.

Morreram. Mas com eles não morreu Charlie Hebdo.

Poderiam fazer um cartoon de França como o de Maomé. Mas desta vez é o país que tem o rastilho. Ou melhor. O rastilho já o tem há muito tempo. Mas desta vez atearam-lhe o fogo. Da violência só saem perdedores. Mas nunca senti França e os franceses tão extremista como agora. A Frente Nacional conquistou mais uns votos. E a história ainda agora começou!