… mas não foi! Foi uma noite de HORROR!
Nissa la Bela. É assim que é conhecida. No topo da colina do château encontrei a minha Lisboa, a 2000 Km de distância. A mesma luz. O mesmo casario envelhecido cujos telhados preenchem uma manta de retalhos imperfeita. O serpentilhar de estrelas que flutuam nas águas de um azul turquesa inigualável. Sinto que conheço uma cidade quando a sinto de olhos fechados. Quando lhe descobri os detalhes. Quando lhe associo cheiros e emoções. É preciso vivê-la para a sentir desta forma.
Nice é uma cidade romântica. Uma cidade voltada para o mar. Onde todos os caminhos terminam na Promenade des Anglais. A Promenade. 7 Km de espaço onde todos se encontram. Todos. Dos recém-nascidos aos que já se esqueceram de contar as primaveras. Dos mais pobres aos mais ricos. Dos nativos aos que nasceram longe, nos antípodas deste velho continente. Conheço-lhe os relevos que passam despercebidos. Por tê-la feito tantas vezes em patins. As cadeiras azuis. As crianças que correm. Os casais apaixonados. O sonho da provence marítima. Num cartão postal cheio de vida.
O 14 de Julho é o feriado mais estimado pelos franceses. Um dia passado em família. Durante o dia as ocupações são várias. Ou nas celebrações oficiais. Ou na praia. Ou na montanha. Mas à noite o programa é, obrigatoriamente, ver o fogo de artíficio. Começa entre as 22h e as 22h30. Em todas as vilas de França. Este ano optei por ver o fogo de artíficio a partir da minha varanda. Como tenho a Beatriz comigo evitei ir com ela para Nice. A PromParty (pequenos palcos com concertos ao longo da Promenade des Anglais) nem sempre termina bem com os excessos de álcool. Foi por volta das 23h10 que comecei a receber mensagens a perguntar se estava bem. À primeira não estranhei. À segunda comecei a questionar-me porque é que toda a gente se estava a lembrar de mim à mesma hora. Até que uma amiga portuguesa me escreve “parece que há um atentado em Nice, tu estás bem?”. As minhas mãos começaram a tremer. Disse ao C. (ele francês) “há um atentado em Nice”. Ele não queria acreditar. Ligámos a televisão. Nessa altura ainda não se sabia se existiam vítimas. Mas eu sabia que havia. Só poderia haver. E na minha cabeça só imaginava as crianças. As mesmas que me obrigam a fazer ziguezagues em patins. As mesmas que correm e que brincam, por vezes a alguns metros dos seus pais. Imaginei os pais sem colo suficiente para os três filhos que frequentemente têm. Os carrinhos de bébés. Pensei que poderia ser eu com a minha filha. Pensei nos meus amigos que são a minha família aqui. Pensei em todas as pessoas que estavam ali para sonhar através do fogo de artífico. Uma sensações de violação dos espaços que são nossos. Porque a Promenade é um bocadinho de cada um de nós. E chorei.
Ontem, aqui no comércio local ouvi muitas vezes (vezes demais) “il faut vivre avec!” Não! Eu não me habituo a isto! Não me quero habituar a isto!
Alguém escreveu que outros dias virão após o 14 de Julho de 2016. E que o sol ilumunará de novo a Promenade. E a vida que a preenche apagará o horror vivido. Acontecerá por ventura. E eu não o presenceei. E não o vi. Mas ele fica em cada um de nós. Vestido de medo. No egoísmo (sim, é egoísmo) de que o azar não se repita. Qual roleta russa, esta em que vivemos!
A (minha) Promenade…
❤ ❤