Ontem não escrevi. Mesmo que tenha pensado escrever. Escrever sobre o pouco que sei sobre Charlie Hebdo. Escrever sobre o que ontem aprendi. Sobre o quanto um dos jornalistas mortos – Cabu – inspirou algumas pessoas de quem gosto. Muito. A cólera apoderou-se dos franceses. Tocaram no intocável: A Liberdade. “Somos Nós, o país de Voltaire, O país da liberdade de expressão”! O “11 de Setembro dos valores” que opõe armas a lápis, terroristas a jornalistas, opressão a liberdade, desumanos a todos nós que respeitamos o Outro.
Eu não sou Charlie Hebdo. Não o fui da ultima vez que no metro em Paris ocupei, em silêncio, o banco mais distante de um grupo que incomodava todos os que como eu, estavam naquela carruagem. Não o sou quando evito passear na Promenade des Anglais ao domingo à tarde. Não o sou quando tomo o percurso mais longo, para não passar junto à estação de Cannes. Não o sou de cada vez que faço silêncio quando ouço pessoas que vivem de subsídios dizer mal de França. Não o sou de cada vez que vejo as notícias sobre o que se passa lá pelo norte de África e penso que é muito longe e que são todos loucos. Não o sou porque por vezes, na maior parte das vezes, tenho medo! Vivo nesta bolha em que tudo é (quase) perfeito. Porque é fácil esquecer, quando não nos toca.
França acordou. Esfregou os olhos. Pensou ter sido um pesadelo. Não! Não foi um pesadelo! Mais ataques. Mais mortes. Tomam-se posições. Os extremistas consideram-se heróis pelos feitos. Os sociólogos justificam o sucedido pela ausência de medidas de integração: os excluídos da sociedade. Os políticos apelam à unidade nacional – com receio da crescente islamofobia. Os representantes da comunidade muçulmana – de tez clara e cabelo loiro (ai a hipocrisia) rejeitam a associação a tamanha barbárie. E no meio disto tudo ouve-se a única voz que me parece importante reter: “Parem de tratar estes assassinos como vítimas. Nós somos as vítimas. Que a morte destes jornalistas sirva, pelo menos, para isso!”
Os jornalistas do Charlie Hebdo trabalham com protecção policial há vários anos. Continuaram o seu trabalho, mesmo conhecendo os riscos. Não tiveram medo. Fizeram notícia numa linguagem que todos compreendem. Substituíram o silêncio do medo pelo riso da sátira.
Morreram. Mas com eles não morreu Charlie Hebdo.
Poderiam fazer um cartoon de França como o de Maomé. Mas desta vez é o país que tem o rastilho. Ou melhor. O rastilho já o tem há muito tempo. Mas desta vez atearam-lhe o fogo. Da violência só saem perdedores. Mas nunca senti França e os franceses tão extremista como agora. A Frente Nacional conquistou mais uns votos. E a história ainda agora começou!
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