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Às simulações de incêndio e sismo… Junta-se o terrorismo.

Durante a semana que passou, a filha de uma amiga teve um dia diferente na escola. Tem 6 anos. Está na primeira classe. “Mamã hoje aprendemos o que fazer se um terrorista entrar na nossa sala.” A mãe perguntou-lhe “o que é um terrorista?”… “É alguém que vem à escola para nos matar”… “O professor disse que devemos ir para debaixo das mesas, estar calados – estivemos 30 min sem mexer nem falar – e depois ensinou-nos a comunicar por gestos e quando ele deu o sinal começamos a correr para um lugar fora da escola”.

Em Portugal a geração da minha filha cresceu com a palavra “crise”. O medo do desemprego. Os pais que estão a viver noutros países… Mas em Portugal a palavra terrorismo continua a ser – e felizmente – um eco de lugares distantes. Não é o caso em França… 

À Força. À Força. À Força. São as palavras de Ordem por terras napoleónicas…

Multiplicam-se os programas de televisão sobre o atentado de ontem em Paris. Um pouco à semelhança do que se passou em Janeiro, por ocasião do Charlie.

Gostei de ouvir o académico Jean-Pierre Filiu. Autor do livro <Les arabes, leur destin et le nôtre>. Para ele, se Charlie teve por objectivo atingir a liberdade de expressão, desta vez o alvo são os hábitos de vida ocidentais, censurados pelo Estado Islâmico. Mas mais do que encontrar os porquês, é importante compreender o “Para quê?” que na perspectiva do autor visa dividir a sociedade francesa, agravar a islamofobia. Mais jovens se sentirão ostracizados, contribuindo para o aumento de jovens que decidem fazer a jihad.

Vive-se um discurso de Guerra. Nas palavras de Hollande, de Valls, de Sarkozy. As palavras são diferentes das proferidas a 7 de Janeiro. São muito diferentes!!

Fala-se de Força. De sangue frio. De mobilização das forças militares. De nacionalismo. De Pátria. De Ser Francês.

À Força. À Força. À Força. “É uma Guerra que nos foi declarada”.

Não sou Charlie!

Ontem não escrevi. Mesmo que tenha pensado escrever. Escrever sobre o pouco que sei sobre Charlie Hebdo. Escrever sobre o que ontem aprendi. Sobre o quanto um dos jornalistas mortos – Cabu – inspirou algumas pessoas de quem gosto. Muito. A cólera apoderou-se dos franceses. Tocaram no intocável: A Liberdade. “Somos Nós, o país de Voltaire, O país da liberdade de expressão”! O “11 de Setembro dos valores” que opõe armas a lápis, terroristas a jornalistas, opressão a liberdade, desumanos a todos nós que respeitamos o Outro.

Eu não sou Charlie Hebdo. Não o fui da ultima vez que no metro em Paris ocupei, em silêncio, o banco mais distante de um grupo que incomodava todos os que como eu, estavam naquela carruagem. Não o sou quando evito passear na Promenade des Anglais ao domingo à tarde. Não o sou quando tomo o percurso mais longo, para não passar junto à estação de Cannes. Não o sou de cada vez que faço silêncio quando ouço pessoas que vivem de subsídios dizer mal de França. Não o sou de cada vez que vejo as notícias sobre o que se passa lá pelo norte de África e penso que é muito longe e que são todos loucos. Não o sou porque por vezes, na maior parte das vezes, tenho medo! Vivo nesta bolha em que tudo é (quase) perfeito. Porque é fácil esquecer, quando não nos toca.

França acordou. Esfregou os olhos. Pensou ter sido um pesadelo. Não! Não foi um pesadelo! Mais ataques. Mais mortes. Tomam-se posições. Os extremistas consideram-se heróis pelos feitos. Os sociólogos justificam o sucedido pela ausência de medidas de integração: os excluídos da sociedade. Os políticos apelam à unidade nacional – com receio da crescente islamofobia. Os representantes da comunidade muçulmana – de tez clara e cabelo loiro (ai a hipocrisia) rejeitam a associação a tamanha barbárie. E no meio disto tudo ouve-se a única voz que me parece importante reter: “Parem de tratar estes assassinos como vítimas. Nós somos as vítimas. Que a morte destes jornalistas sirva, pelo menos, para isso!”

Os jornalistas do Charlie Hebdo trabalham com protecção policial há vários anos. Continuaram o seu trabalho, mesmo conhecendo os riscos. Não tiveram medo. Fizeram notícia numa linguagem que todos compreendem. Substituíram o silêncio do medo pelo riso da sátira.

Morreram. Mas com eles não morreu Charlie Hebdo.

Poderiam fazer um cartoon de França como o de Maomé. Mas desta vez é o país que tem o rastilho. Ou melhor. O rastilho já o tem há muito tempo. Mas desta vez atearam-lhe o fogo. Da violência só saem perdedores. Mas nunca senti França e os franceses tão extremista como agora. A Frente Nacional conquistou mais uns votos. E a história ainda agora começou!