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“Rien de grave” de Justine Lévy

Continuo a ler em francês. No formato “livro de bolso”. E estou absolutamente viciada. “Rien de grave” foi o meu último livro. 

  

Reencontrei-me em Louise. Ou nas palavras de Lévy.

  
“Amar não quer dizer que nos parecemos. Amar não quer dizer sermos iguais, comportarmo-nos como gémeos, que acreditamos inseperáveis. Amar é não ter medo de se separar ou de deixar de amar. Amar é aceitar a queda, sozinho, e de se levantar, sozinho. Eu não sabia o que é amar, tenho a impressão de que hoje sei um pouco mais.”

 
   
E eu estou farta, ao mesmo tempo, de ter atenção. Estou farta da miopia, da surdez, do mutismo. Mas estou farta, também, de estar fechada em mim mesma com todos estes sentimentos que fiz prescrever, todas estas palavras que eu nunca mais quero dizer, antes morrer que dizê-las, digo a mim própria, o ferro-velho de palavras usadas que outrora serviram, é como o meu coração, e o meu corpo, eles também usados de ocasião, eles também amaram, sofreram e depois? Eu não me vou reencarnar por isso, nem transformar-me na essência de uma outra, elas estão aqui, estas palavras, de qualquer forma elas estão na minha cabeça, na minha garganta, Pablo bebe-as quando me beija, ele compreende-as mesmo que eu as detenha dentro de mim, acreditas no quê, idiota? Acreditas mesmo que eu não as ouço, essas palavras de amor que tu não me dizes? Claro que é ele que tem razão. Sinto vergonha, e sinto vergonha de ter vergonha. Tenho vergonha de as pensar, as palavras, e ainda mais vergonha por não conseguir dizê-las. Estou farta deste frio em mim. Farta de nunca sentir o quente ou a dor. Farta de passar ao lado da vida, da felicidade, da tristeza, das pessoas, dos desafios, da morre. Merda para a falsa vida. Merda para o negro, o silêncio, a anestesia, os gatos, os jeans. Ele tem razão, Pablo. É preciso parar de não viver. Parar de não chorar. Parar a retenção de lágrimas, assim vou ficar com celulite na cara, à força. Parar de ter medo de estar viva. 

(…)

Parar o amor sublime, os amantes belos e nobres e perfeitos. De manhã temos má cara, temos mau hálito, é assim, é preciso aceitar, é assim a vida.

“De Amor y de Sombra”, um romance escrito por Isabel Allende (1984)

Tenho um fascínio por coisas usadas. Como se as coisas transportassem uma história com elas e o uso lhes acrescentasse valor. Com os livros não é diferente! Gosto de comprar livros em feiras de rua. Gosto do cheiro. Gosto de neles encontrar escritos. Gosto de pensar que cada uma das páginas já foi lida. Por vezes questiono-me porque não sou capaz de também eu me desfazer dos livros que li. Para que outros os possam ler depois de mim! Não sou capaz! Gosto de os ter perto. Gosto de os olhar na estante. Gosto de ler o título na lombada e recordar o que senti quando o li (mais do que lembrar os factos). Sublinho-os. Sei de cor algumas páginas. São meus.

Hoje escrevo sobre um livro que li. Um livro que custou 2€ na Feira da Ladra. Gosto de Isabel Allende e deixei-me seduzir pelo prefácio, escrito pela própria autora:

Esta é a história de uma mulher e de um homem que se amaram plenamente, salvando-se assim de uma existência vulgar. Guardei-a na memória de forma a que o tempo a não desgastasse e é só agora, nas noites silenciosas deste lugar, que finalmente posso contá-la. Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

“De Amor y de Sombra” é um romance que nos transporta para a realidade chilena durante a ditadura de Pinochet. Relembra-nos o valor da liberdade, o quanto a desigualdade pode ser desonesta, a ambição do poder e o que de atroz se pode com ele fazer.  E fá-lo com suspense, com ritmo e com fervor. Numa escrita emocionada e emocionante. Porque a força maior neste livro é o amor. Um amor entre dois jovens que se confunde com o amor à pátria. Sublinhei-o também. Porque me disse mais do que a sua estória. Porque me disse, também, (mais) de mim!

Porque se trata de um romance e porque o beijo é (para mim) a forma mais intima do amor, não resisto a partilhar convosco estas linhas do livro.

Irene colheu uns talos de erva e levou-os à boca, mordendo-os para chupar a seiva. Voltou-se, fitou o amigo e ele sumiu-se nos seus olhos nublados. Sem pensar, Francisco atraiu-a para si e procurou a sua boca. Foi um beijo casto, tépido, leve, mas teve o efeito de um abalo telúrico nos seus sentidos. Cada um percebeu a pele do outro, nunca antes tão nítida e próxima, a tensão das mãos, a intimidade de um contacto ansiado desde o começo dos tempos. Um calor palpitante invadiu-lhes os ossos, as veias, a alma, algo que não conheciam ou tinham esquecido por completo, pois a memória da carne é frágil. Tudo desapareceu ao seu redor. Para eles apenas contavam os lábios unidos, dando e recebendo. Na verdade, foi apenas um beijo, a sugestão de um contacto esperado e inevitável, mas ambos estavam certos de que este seria o único beijo que poderiam recordar até ao fim da vida e, entre todas as carícias, a única que lembrariam com saudade.

Este foi o primeiro post sobre os livros que li. Sobre outros tenho, também, vontade de escrever. Sobre os que li. Sobre os que (por certo) vou ler.